Colunista | Rogério Martinez

O desfile de aniversário da cidade começou com tudo a favor da administração e terminou com uma crise agravada pela negociação com os servidores no dia seguinte. É uma crise política, provocada pela falta de articulação para lidar com o jogo e todos os envolvidos.

O que deveria ser a festa de aniversário da cidade explodiu no colo do prefeito Daniel Alonso com desgastes em relação a servidores municipais, partidos aliados, opositores e eleitores descontentes desde antes da eleição.  

A crise começou com a exposição de sucata, uma inovação ao tradicional desfile da frota municipal, recebida como politicagem de baixo nível. Todo desfile sempre é usado de forma política, que começa com discursos de solenidade, ataques a adversários e até agressões a manifestantes

Daniel perdeu a chance de expor a sucata e todos os desmandos logo na posse. Frustrou amigos e eleitores que esperavam auditoria, audiências públicas e vasta exposição e medidas contra o rombo.  

Em janeiro, com as contas em frangalhos, faria bem em mostrar a frota despedaçada que levou para a avenida.

Passou 90 dias comedido para escancarar no dia da festa. Mas esse nem foi o maior problema do desfile.

A saída apressada do palanque, sem o desfile acabar, justificativa no dia – e ontem na Câmara – pela ameaça de que um grupo iria jogar ovos, foi uma medida atabalhoada, agravada pelo cordão da PM segurando a manifestação de sindicatos e trabalhadores.

Com palanque, microfone e boa recepção popular, a organização tinha tudo para escancarar as ameaças, defender a festa e as manifestações legítimas, avisar ao público que havia gente mal intencionada por ali. Podia até lembrar que em uma cidade onde já se incendiou jornal e adversários foram agredidos nas ruas, não seria de espantar um grupo armado com ovos.

Inibir os agressores, não o público. Preferiu a saída apressada.

Também tinha a chance de chamar servidores e manifestantes para uma audiência no gabinete. Teve, enfim, chances de ser diferente, fazer diferente de verdade em relação a um passado de repressão e descaso com manifestantes.

Fácil pensar isso 48h depois. Claro. Mas para pensar antes existe a articulação política, os assessores, o planejamento. O protesto era conhecido e esperado. Qual era o plano para recebê-lo? Fingir que não estava lá? Sem plano B?

A administração paga a conta com desgaste, uma crise agravada com os servidores e até com amigos, que já falam abertamente sobre a falta de articulação política na gestão.

O problema desta conclusão é que Daniel chamou para si a função de ser o articulador político de sua gestão. Tem que assumir os riscos, os conflitos, o contato que a articulação exige. Ou passar para outro articular. Não pode articular fechado no gabinete e isolado da coletividade.

O articulador não pode fugir do palanque.

Sobrou para o secretário da Cultura, sem qualquer influência na articulação oficial ou na discussão dos salários, receber os manifestantes e a conta pelo cordão da PM segurando sindicatos e participantes do protesto.

Um efeito colateral do desgaste é dar espaço – e ouvidos – para todo tipo de discurso e reações, o que inclui o que a cidade tem de pior em políticos e politicagem.

Não adianta mais ter uma comissão ou os vereadores. É Daniel quem precisa falar e mostrar o que tem a dar nesta crise.

Está prevista a sua participação direta na negociação com servidores nesta sexta. É a chance de uma paz e de um ajuste. Também pode tentar uma aproximação com os movimentos, os trabalhadores na garagem, escolas, serviços públicos em geral.

Mas a lua de mel com parte da cidade acabou ali. Com os servidores também.

Não muda a relação que já não existia com alguma parcela dos eleitores, mas os manifestantes, quem tivesse armado um protesto fajuto para jogar ovos e os adversários não tinham nada a perder no desfile. Daniel tinha e perdeu.

Os ataques tratam o caso – e a crise com os servidores – como se fosse o fim ou a prova de fracasso da gestão. Um exagero politiqueiro maior que o desfile da sucata.

Não são. Mas não aprender com as crises será o caminho para o fim. E ainda é cedo para isso


Giro Marília -Rogério Martinez
Rogério Martinez
Jornalista, editor do Giro Marília

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