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O que diz o 'estudo' alemão sobre máscaras em crianças, tema citado em live por Bolsonaro
Reprodução: BBC News Brasil
O que diz o 'estudo' alemão sobre máscaras em crianças, tema citado em live por Bolsonaro
No dia mais letal da pandemia no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro escolheu questionar mais uma vez o uso de máscaras e o isolamento social, dois métodos considerados eficazes para conter a disseminação do coronavírus.

Nesta quinta (25), o Brasil registrou ao menos 1.541 novas mortes por covid-19, segundo o Conass, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (nas contas do consórcio de veículos de imprensa, o número foi ainda maior: 1.582, fazendo, segundo esse dado, o dia o mais letal da pandemia até agora). Bolsonaro, enquanto isso, citou em sua live semanal um suposto estudo de uma universidade não especificada na Alemanha que teria concluído que máscaras são "prejudiciais" às crianças, causando irritabilidade, dor de cabeça, dificuldade de concentração, entre outros.

O presidente disse que não entraria em detalhes porque "tudo deságua em crítica" sobre ele. "Eu tenho minha opinião sobre máscaras, cada um tem a sua", disse o presidente. "A gente aguarda um estudo mais aprofundado sobre isso por parte de pessoas competentes."

Estudo na Alemanha


Há um estudo preliminar feito na Alemanha sobre o efeito de uso de máscaras em crianças que foi publicado em dezembro que menciona os problemas comentados por Bolsonaro. Não está claro se foi este o estudo a que Bolsonaro se referiu.

A pesquisa, de médicos da Universidade de Witten/Herdecke, é preliminar e não foi revisada por pares, ou seja, não foi submetida ao escrutínio de um ou mais especialistas do mesmo escalão que os autores. Uma das observações na plataforma de publicação da pesquisa diz que ela "não deve ser considerada conclusiva, usada como base de práticas clínicas ou considerada uma informação válida pela imprensa".

O estudo preliminar foi feito a partir de uma enquete online preenchida por pais ou responsáveis de cerca de 25 mil crianças e adolescentes. É uma análise do custo-benefício do uso de máscaras para esse grupo específico, e não uma negação da eficácia das máscaras como proteção contra a disseminação do coronavírus, como fez parecer Bolsonaro.

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Além disso, o próprio estudo traz observações importantes, como esta: "Pais cujos filhos não apresentam efeitos colaterais têm menos probabilidade de participar desta pesquisa. Assim, há uma sobrepeso sistemático daqueles que relatam reclamações".

Diz, também, que o link para a pesquisa alcançou fóruns de redes sociais que criticavam as medidas de proteção contra o coronavírus do governo. Isso pode ter influenciado o resultado da pesquisa.

Destaca que os efeitos expressado pelos pais são "suspeitas de efeitos colaterais", e não necessariamente efeitos colaterais. Ou seja, "eventos que podem ser observado pelos pais, mas que não são necessariamente relacionados ou causados pelas máscaras". "São, portanto, inicialmente conjecturas cuja relação causal deve ser verificada." A irritabilidade, dor de cabeça, dificuldade de concentração, entre outros problemas descritos pelos pais "são sintomas que podem refletir a situação geral das crianças e não são necessariamente causados apenas pela máscara".

A organização sem fins lucrativos Health Feedback, que convida cientistas para verificar informações que afirmam ser baseadas na ciência, analisou o estudo.

Entre as críticas e observações feitas sobre a pesquisa, está a de que não é possível demonstrar uma relação causal entre os efeitos observados e o uso de máscaras. Além disso, o estudo não tem controles, ou seja, um grupo de crianças que não usou máscaras, para comparar resultados. "Por causa disso, é impossível determinar se os efeitos negativos relatados foram devido ao uso da máscara ou se teriam ocorrido mesmo se as crianças não usassem máscaras."

Outro problema da pesquisa, segundo a análise do Health Feedback, é que os autores não avaliaram potenciais fatores de confusão, como doenças ou condições pré-existentes nas crianças cujos pais responderam à pesquisa. Essas condições podem causar alguns dos efeitos relatados, como dores de cabeça e inquietação, mas não foram contabilizados no estudo.

Por fim, a população pesquisada no estudo pode não ser representativa da população em geral. Na população pesquisada, 41,7% eram a favor de medidas mais brandas para conter a disseminação do vírus. É um resultado bastante diferente de uma pesquisa de agosto de 2020 com 1.303 pessoas selecionadas aleatoriamente na Alemanha, conduzida pela emissora pública alemã ZDF. Segundo os resultados da pesquisa, a maioria dos alemães era a favor de medidas mais rígidas e apenas 10% consideravam os regulamentos atuais excessivos. "Essas características sugerem que os resultados da pesquisa tendem a ser tendenciosos com base nas crenças dos participantes sobre os efeitos do uso de máscaras faciais", diz a análise do Health Feedback.

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Recomendação da OMS

Não é a primeira vez que Bolsonaro, apesar de recomendações das mais altas autoridades sanitárias do mundo, critica o uso de máscaras.

Desde junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza o uso de máscaras de tecido para todo mundo que precisa sair de casa.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, fez a mesma indicação um pouco antes, a partir do mês de abril.

No Brasil, o Ministério da Saúde reconhece que cobrir nariz e boca com tecido é uma das ações preventivas mais importantes — em seu site, a pasta até disponibiliza um guia para a confecção dessas peças em casa.

O próprio Bolsonaro, inclusive, sancionou a lei 14.019/2020, publicada no Diário Oficial da União no dia 2 de julho, que fala sobre "a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção individual para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos". Por que máscaras com válvula não são recomendadas contra covid-19?

Proteção das máscaras

Estudos observacionais e epidemiológicos indicam que as máscaras podem diminuir a possibilidade de infecção por coronavírus.

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Embora a N95 seja o modelo mais buscado em pesquisas no Brasil, é a nomenclatura dos Estados Unidos. O padrão no Brasil é a PFF2. Embora não sejam idênticos, esses padrões de respiradores são equivalentes

Não há testes rigorosos, com o mais elevado grau de evidência, porque seria impraticável e até antiético pedir que milhares de pessoas fiquem semanas sem usar máscaras, se expondo ao risco de contrair um vírus mortal, como grupo de controle.

O que se sabe é que as máscaras protegem quem usa e quem está por perto de um indivíduo infectado porque seu tecido funciona como uma barreira contra gotículas de saliva que saem da boca ou nariz de uma pessoa em tosses, espirros ou conversas.

Alguns países europeus, como a França, Áustria e a Alemanha, passaram a exigir o uso de máscaras cirúrgicas ou profissionais, com o argumento de que as máscaras de tecido não oferecem tanta proteção.

É porque essas máscaras profissionais são bem vedadas ao rosto, têm melhor qualidade e boa capacidade de filtração. Assim, protegem contra aerossóis, gotículas que ficam suspensas no ar por mais tempo, uma das formas de transmissão do coronavírus. No Brasil, a nomenclatura dessa máscara é PFF2. A nomenclatura nos Estados Unidos é N95. Na Europa, FFP2. A recomendação é usar os modelos sem válvulas, já que elas permitem saída de ar sem filtragem. Antes da compra, é importante verificar se as máscaras PFF2 têm o selo do Inmetro.

Mudança de orientação

No começo de 2020 (e da disseminação do coronavírus), a orientação das autoridades era para que a população geral, sem sintomas de covid-19, não usasse máscaras. O medo era que faltassem equipamentos de proteção para profissionais de saúde e pacientes, que são os grupos que mais precisam deles.

Foi só em junho de 2020 que a OMS mudou suas orientações sobre uso de máscaras e disse que elas devem ser usadas em público para ajudar a impedir a propagação do coronavírus. Àquela altura, já havia em diversos países recomendação ou exigência de que as pessoas usem máscaras para cobrir boca e nariz em público.

Fonte: IG SAÚDE