Economia

Pandemia mostrou que reforma trabalhista não funciona, diz Díaz

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Pandemia mostrou que reforma trabalhista não funciona, diz Díaz


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“Apesar da polarização, a maioria das pessoas quer acordos, calma e previsibilidade”, disse ao GLOBO Yolanda Díaz, segunda vice-primeira-ministra e ministra do Trabalho da Espanha, responsável por articular a reforma trabalhista aprovada em seu país no final do ano passado, que reverteu em parte a liberalização do mercado de trabalho implementada em 2012 pelo então governo conservador. Segundo Díaz, a reforma resultou em um aumento de 139% nos empregos formais, na comparação entre fevereiro deste ano e o mesmo mês do ano passado.

Díaz deu a entrevista exclusiva às vésperas de sua chegada ao Rio, onde fala amanhã em um encontro promovido pela Uerj e o Grupo de Puebla, formado por lideranças de esquerda, e que terá a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois, irá a São Paulo, onde se reunirá com empresários. A ministra contou como se alcançou o acordo que pôs a Espanha na agenda política brasileira, ao ser mencionado pelas campanhas da oposição ao presidente Jair Bolsonaro. “Estou convencida de que podemos chegar a acordos entre entidades e pessoas que pensam diferente”, disse.

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Aos 50 anos, Díaz é a política mais popular da Espanha, segundo uma pesquisa deste mês do CIS (Centro de Investigações Sociológicas), e tem sido apontada como possível sucessora do primeiro-ministro Pedro Sánchez. O premier, do Partido Socialista Operário Espanhol (Psoe), de centro-esquerda, governa em coalizão com a frente de esquerda Unidas Podemos, à qual a ministra, integrante do Partido Comunista da Espanha (PCE), pertence. Díaz também atuou na legislação que regulamenta plataformas como o Uber e de entrega de comida, que provocaram um boom do trabalho informal. “Em todos os casos, o futuro do trabalho será o que queiramos que ele seja, porque o trabalho e a democracia estão intimamente unidos”, afirmou. 

Quais são os principais resultados das mudanças trabalhistas na Espanha?

A reforma supõe uma profunda mudança em nosso sistema de relações trabalhistas. Não só porque revogamos as partes mais duras da reforma do Partido Popular, como a morte súbita dos acordos coletivos ou a prevalência salarial dos acordos por empresas, mas também porque combate diretamente o trabalho temporário e a precariedade associada a ele, que é a principal anomalia do trabalho na Espanha. Desde a aprovação da regra, os dados sobre contratos permanentes [semelhantes aos empregos CLT no Brasil] são espetaculares: em fevereiro, foram gerados 139% mais desses empregos do que em fevereiro de 2021. O resultado é claro: a reforma está contribuindo para melhorar a qualidade do trabalho na Espanha.

Como foi a negociação?

Foi longa e complexa, tendo ocorrido, primeiro, no que gosto de chamar de grande mesa de diálogo social — com sindicatos e associações patronais mais representativos — e depois com as forças parlamentares. Foi complexa porque, quando conseguimos a parte mais difícil, o acordo entre os trabalhadores e os empregadores, a proposta esteve prestes a cair no Congresso por uma mistura de oposição política legítima, interesses privados e ignorância técnica. Estou convencida de que é possível chegar a acordos entre formações e pessoas que pensam de forma diferente. Apesar da polarização política que vemos nos parlamentos e na mídia, a maioria das pessoas quer acordos e um mínimo de calma e previsibilidade. Encontramos dificuldades, claro, porque empregadores e trabalhadores têm interesses diferentes e às vezes até conflitantes. Mas quero valorizar a amplitude de visão e a capacidade de diálogo que eles põem na mesa nas negociações. Sem isso, o acordo teria sido impossível. Todos nós entendemos que estávamos diante de um momento decisivo para o futuro do nosso país e por isso em nenhum momento nenhuma força saiu da mesa. 

Que exemplo o caso espanhol dá ao mundo? 

Isso deveria ser decidido pelo mundo e não por mim. Recebemos muito interesse e alguns elogios de forças políticas muito diferentes em outros países. Particularmente, pelo fim da crise da pandemia e a reforma trabalhista, mas também por outras regulamentações como a legislação dos autônomos, dos trabalhadores das plataformas digitais [como o Uber], ou pela regulamentação do trabalho remoto. 

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A pandemia acelerou essas transformações?

A pandemia deixou claro que as velhas receitas de austeridade, desvalorização salarial e demissões foram um fracasso e não funcionam mais. A pandemia nos ajudou a ver que a ortodoxia havia expirado e que precisávamos nos fazer novas perguntas para buscar novas respostas. Assim, conseguimos gerir a crise de forma diferente da de 2008, com base na manutenção do emprego e na proteção da maioria da sociedade.

Como está a regulamentação dos trabalhadores em plataformas na Espanha? 

Com a chamada Lei Rider, avançamos no reconhecimento dos trabalhadores de plataforma como assalariados e, portanto, com suas condições de trabalho. Também introduzimos o direito de os representantes dos trabalhadores conhecerem os algoritmos usados pelas empresas. A inteligência artificial não pode ficar de fora do direito democrático do trabalho.

 A Organização Internacional do Trabalho (OIT) vê aumento da insegurança no trabalho em todo o mundo. Como lidar com isso?

Primeiro, entendendo o valor capital do trabalho nas sociedades democráticas. Os trabalhadores que praticam a democracia no local de trabalho são os que constroem a democracia na sociedade. Sem sindicatos fortes, é impossível que o mercado de trabalho não se transforme em uma selva e, portanto, que a lei do mais forte reine na sociedade.

Os países avançados veem pessoas deixando seus empregos, devido às más condições…

Fenômenos como a chamada “Grande Renúncia”, que levou 9 milhões de americanos e 1 milhão de britânicos a deixarem seus empregos, mostram mudanças profundas. Temos a responsabilidade de entender isso e traduzir em políticas que melhorem o dia a dia das pessoas. Há a exaustão crônica e sua especial crueldade com os mais jovens, ligada a uma subjetividade que vincula nossa identidade à necessidade de sermos sempre produtivos e a uma ideia tóxica de ambição.

Como você vê o futuro do trabalho?

Com a inflação decorrente do aumento dos preços da energia, enfrentamos hoje uma nova crise. Nosso principal objetivo é proteger os empregos, os salários e o tecido produtivo, para sairmos dela de forma justa. Além disso, trabalhamos em uma regulamentação para organizar os usos do tempo, em consonância com a revolução do cuidado que o feminismo trouxe para a mesa. Também temos que avançar para uma economia mais equilibrada e verde, com um Estado capaz de direcioná-la para atividades mais sustentáveis. De qualquer forma, o futuro do trabalho será o que queiramos que seja, porque trabalho e democracia estão intimamente ligados.