
Este domingo, 2 de abril, mobiliza em todo o mundo profissionais de atendimento, pesquisadores e famílias pela Conscientização Sobre Autismo, tecnicamente chamado de Transtorno do Espectro Autista (TEA), condição com transtornos de neurodesenvolvimento, identificada em 1943 e que 80 anos depois ainda enfrenta muita desinformação e preconceito.
A neurologista Catarina Falleiros Nogueira Rojas, especialista em Neurologia da Infância e da Adolescência em Marília, explica que o Dia Mundial da Conscientização surgiu com o objetivo de dar visibilidade ao tema e reduzir a discriminação.
“Inclusive acredita-se que um dos motivos para aumento de casos que estamos vivenciando se deve ao maior conhecimento sobre essa condição.”
Pesquisadora na área – faz mestrado com ênfase em desenvolvimento infantil – atua com Transtornos do Neurodesenvolvimento, como o TEA, o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtornos de Aprendizagem além de transtornos comportamentais.
Destaca avanços na legislação e serviços, mas aponta necessidades de mais ações públicos da comunidade para inclusão, compreensão e atendimento. Confira abaixo a entrevista com a especialista
Giro Marília – É correto dizer que desinformação e preconceito são os maiores desafios sociais para famílias e pessoas com Transtorno do Espectro Autista?
Catarina Falleiros Nogueira Rojas – A falta de informação e o preconceito são grandes desafios para os autistas e suas famílias, porque embora hoje seja grande o número de pessoas com transtorno do espectro autista, ainda há muito desconhecimento sobre essa condição, mesmo por educadores e profissionais de saúde. Há também uma tendência, por parte da sociedade, a ter dificuldade em lidar com aquele que é diferente, o que leva a mais preconceito e exclusão social dessas pessoas.
Giro Marília – De que forma os órgãos públicos, entidades e profissionais envolvidos têm combatido isso e o que falta?
Catarina Falleiros Nogueira Rojas – Acredito que um dos primeiros passos seja a mudança de mentalidade, compreender o autismo como condição e não como condenação. Embora existam casos mais graves, é preciso compreender que essas pessoas podem participar da sociedade. A difusão de informação também deve ser trabalhada no ambiente escolar, para que desde cedo jovens e adolescentes tenham conhecimento sobre o TEA.
Giro Marília – Há dados da incidência de casos no país e em especial em Marília?
Catarina Falleiros Nogueira Rojas – Dados muito recentes divulgados pelo principal centro de referência mundial que estuda prevalência de autismo nos Estados Unidos mostraram que uma em 36 crianças de 8 anos são autistas, o que significa quase 3% dessa população O número desse estudo é 22% maior que o anterior, divulgado em 2021. Ou seja, estamos fazendo mais diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista. No Brasil não temos números de prevalência de autismo.
A novidade nesse sentido é que a Lei 13.861, divulgada em 2019, estabelece a inclusão de perguntas sobre o autismo no censo e isso contribuirá para determinar quantas pessoas no Brasil apresentam esse transtorno e como elas estão distribuídas pelo território, obtendo, dessa forma, um número mais verdadeiro.
Giro Marília – Qual seria a primeira orientação a uma família que recebe um diagnóstico de transtorno do espectro autista?
Catarina Falleiros Nogueira Rojas – Infelizmente, não é todo mundo que procura se informar sobre o autismo ao receber o diagnóstico. É preciso buscar fontes seguras de conhecimento sobre o tema por meio de associações para pais, manuais disponíveis em plataformas e sites, além de conhecer os direitos e leis que amparam as pessoas com TEA.
No caso das crianças, o inicio do tratamento ainda durante a primeira infância é fundamental para o seu desenvolvimento, devido à capacidade do cérebro de receber novas informações com maior facilidade nesta fase da vida. Sabemos que é possível ensinar e modelar comportamentos sociais e de comunicação e melhorar a qualidade de vida. Portanto iniciar a intervenção precoce com profissionais de saúde capacitados e equipes formadas por fonoaudiólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais se torna crucial para alcançar progressos mais consistentes no tratamento.
Giro Marília – Como está o avanço de legislação sobre atendimento preferencial, facilidade de acesso a serviços, culturas, artes, espaços coletivos?
Catarina Falleiros Nogueira Rojas – Como já falado anteriormente, é preciso que autistas e suas famílias busquem conhecer as leis que estabelecem seus direitos, sendo importante dizer que a pessoa com Transtorno do Espectro Autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.
A Lei Romeo Mion de 2020 criou a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, válida em todo Brasil. Com ela é possível exigir um atendimento preferencial, entre outros direitos. Sua expedição poderá ser feita pelos órgãos estaduais e municipais de forma gratuita, e precisando ser renovada a cada cinco anos. Na cidade de Marília os interessados podem solicitar a carteira pela internet ou pela Secretaria de Direitos Humanos.
Todas as pessoas com TEA comprovadamente carentes, neste caso com renda per capita de até 1 salário-mínimo, têm direito ao passe livre, ou seja, o transporte gratuito interestadual nas viagens de ônibus. Por ser considerada uma pessoa com deficiência passa a também ter o direito de utilizar a vaga especial de estacionamento em todos os locais.
Outro grande problema enfrentado pelas crianças autistas é a discriminação no âmbito escolar. Muitas instituições de ensino, inclusive, se recusam a matricular tais crianças. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) estabelece que a recusa da matrícula é considerada crime de discriminação. Além disso a pessoa com autismo tem o direito a um acompanhante especializado, desde que seja comprovada a necessidade, lembrando que o acompanhante precisa ser especializado em autismo, educação inclusiva ou desenvolvimento infantil.
Quanto ao lazer alguns parques no Brasil e no exterior têm a famosa “fila especial”, onde a pessoa com TEA e seus acompanhantes utilizam a fila preferencial ou simplesmente acessam os brinquedos pela saída. A pessoa autista e seu acompanhante têm direito à meia-entrada, não só para o cinema, mas para eventos culturais, esportivos, museus, shows, entre outros, sendo esse direito não atrelado à renda.
Giro Marília – Como vê formação e capacitação de profissionais na educação, saúde e serviços sociais para atendimento a esse público, especialmente na população de baixa renda ou vulnerabilidade?
Catarina Falleiros Nogueira Rojas – Um dos maiores problemas enfrentados no âmbito da saúde é a demora no encaminhamento do paciente, principalmente no setor público, e quando acontece, os sintomas podem já estar consolidados dificultando a intervenção do terapeuta. Geralmente os pais buscam ajuda quando os filhos já estão frequentando a escola, mesmo os sinais já estando presentes desde o primeiro ano de vida. As estatísticas vêm mostrando um aumento de casos, gerando grande demanda de avaliações e tratamentos e a rede de serviços de saúde não acompanha este fluxo, tanto pelo número reduzido de profissionais, espaços de intervenção limitados, como pela falta de especialistas e pouca capacitação.
Como forma de levar informação e combater a discriminação, seguem alguns pontos importantes para melhorar o conhecimento sobre o Transtorno do Espectro Autista:
– Mitos e Verdades sobre Autismo:
AUTISTAS SÃO MUITO AGRESSIVOS.
Mito – Não se pode generalizar pois nem sempre o autista é uma pessoa agressiva, o que ocorre é que por ter dificuldade de se comunicar e uma maior rigidez comportamental, podem ocorrer reações emocionais como forma de se expressar.
VACINAS CAUSAM AUTISMO
Mito. Essa informação é completamente falsa. Não existe nenhuma comprovação científica que ligue o transtorno autista com vacinas utilizadas para imunização de crianças.
AUTISTAS VIVEM EM SEU PRÓPRIO MUNDO
Mito. Apesar do transtorno desenvolver dificuldades na socialização, é perfeitamente possível que o autista viva com interação social. Os autistas vivem no mesmo mundo que todos nós, apenas a forma de se desenvolver é diferente.
AUTISTA TEM QUE ESTUDAR E TRABALHAR EM LOCAIS ESPECIALIZADOS
Mito. Autistas podem frequentar espaços regulares. É possível, no entanto, que uma pessoa diagnosticada com autismo seja incluída em cotas nas universidades, ou trabalhe via PCD (pessoas com deficiência) nas empresas.
EXISTEM MAIS MENINOS DO QUE MENINAS COM AUTISMO.
VERDADE – Pesquisadores afirmam que o número de casos de autismo em pessoas do sexo masculino tem a probabilidade 4 vezes maior do que em meninas. Mas há também hipóteses que sugerem que as meninas são pouco diagnosticadas por conseguirem mascarar os sinais e sintomas e se adaptar melhor socialmente.
NÃO EXISTEM EXAMES PARA DIAGNOSTICAR O TEA
Verdade. O diagnóstico é realizado de forma clínica, baseado em evidências científicas, de acordo com critérios já bem estabelecidos. Não existe um exame específico que identifique o autismo.
TRAUMAS PSICOLÓGICOS CAUSAM AUTISMO?
Mito. As causas do autismo não são totalmente conhecidas, mas se sabe que o transtorno está ligado à genética e fatores ambientais estabelecidos antes do nascimento. Os traumas psicológicos não estão ligados ao desenvolvimento do TEA, mas, sim, podem prejudicar ainda mais o desenvolvimento e o tratamento das crianças com TEA.
O DIAGNÓSTICO DE TEA DEVE SER DADO POR UM MÉDICO.
Verdade. Profissionais como psicólogos e fonoaudiólogos podem suspeitar e encaminhar para um neurologista ou psiquiatra, que conclui o diagnóstico. Durante a investigação médica, esses profissionais também têm um papel importante na aplicação de instrumentos que ajudam a elucidar o diagnóstico.
O AUTISMO NÃO TEM CURA.
Verdade. O paciente pode evoluir significativamente e o grau de autonomia pode chamar a atenção, mas o autismo não tem cura. Temos que tomar cuidado com tratamentos que prometem milagres.