
Marília - Enquanto o Brasil segue consumindo entre 12 e 13 bilhões de sacolas plásticas convencionais por ano, uma promessa “ecológica” vem ganhando espaço nos caixas de supermercados e no discurso de sustentabilidade de empresas: a sacola biodegradável.
À primeira vista, a proposta parece ideal. Feita com materiais capazes de se decompor por ação de micro-organismos, em tese, esse tipo de embalagem teria um impacto ambiental reduzido, substituindo o plástico tradicional derivado do petróleo. No entanto, especialistas alertam: a história é mais complexa — e, muitas vezes, enganosa.
Um rótulo, muitas interpretações
O termo “biodegradável” tem sido usado de forma cada vez mais frequente, mas nem sempre com rigor técnico. A confusão começa na diferenciação entre sacolas realmente biodegradáveis e compostáveis e aquelas conhecidas como oxi-degradáveis, erroneamente vendidas como sustentáveis.
As oxi-degradáveis, na verdade, são feitas de plástico comum com aditivos químicos que aceleram a fragmentação. Em vez de desaparecer do ambiente, o que acontece é a quebra do plástico em pedaços menores — os temidos microplásticos — que permanecem no solo, na água e na cadeia alimentar. Não por acaso, esse tipo de produto já foi banido na União Europeia e vem sendo combatido por organizações ambientais.
Já as biodegradáveis compostáveis, feitas com polímeros como PLA, PHA ou amido, podem sim se decompor de forma segura. Mas há um detalhe importante: isso só ocorre em condições específicas, como temperatura, umidade, oxigênio e presença de micro-organismos adequados — geralmente encontrados somente em unidades de compostagem industrial.
Marília-SP como exemplo: sacola a R$ 0,05, vendida por R$ 0,13
Na cidade de Marília, interior de São Paulo, a Lei Municipal nº 9.046/2023, em vigor desde 15 de julho deste ano, proíbe o uso de sacolas plásticas descartáveis. O
comércio foi autorizado a fornecer apenas sacolas recicláveis, retornáveis ou reutilizáveis. O problema? Essas novas embalagens estão sendo vendidas por até R$ 0,13 a unidade, enquanto o custo real de uma sacola biodegradável na internet gira em torno de R$ 0,05. Um lucro superior a 150% por unidade.
Para ambientalistas, a regulamentação municipal é um avanço. Enquanto isso, para alguns comerciantes, uma oportunidade de margem elevada. Para o consumidor, uma dúvida persistente: estou pagando mais por uma solução de fato ecológica?
A verdade por trás do marketing “verde”
A crítica maior, segundo especialistas, recai sobre o fenômeno conhecido como greenwashing — o marketing ambiental enganoso. Empresas rotulam produtos como “verdes”, “naturais” ou “biodegradáveis” sem comprovação técnica.
De acordo com a norma ABNT NBR 15448-2:2008, uma sacola só pode ser considerada biodegradável se cumprir critérios rigorosos de degradação e compostagem. No entanto, muitas embalagens vendidas como sustentáveis não especificam o tipo de polímero utilizado, não apresentam certificação e, em alguns casos, incluem materiais como PE ou PP com aditivos oxi-degradáveis — o que agrava ainda mais a poluição.
O dilema do descarte
Mesmo as sacolas realmente biodegradáveis enfrentam um grande obstáculo no Brasil: a ausência de infraestrutura adequada para descarte e compostagem.
Dados do IBGE mostram que 31,9% dos municípios ainda usam lixões a céu aberto e apenas 28,6% operam com aterros sanitários devidamente estruturados. Como o processo de decomposição das sacolas compostáveis depende de ambiente aeróbico, temperatura elevada (acima de 58 °C), umidade e presença de oxigênio, o descarte incorreto invalida completamente sua função ecológica. Em aterros comuns, elas podem demorar tanto quanto o plástico tradicional para desaparecer — se é que desaparecem.
Biodegradável ≠ milagre ecológico
Quando feitas com materiais certificados e descartadas corretamente, sacolas biodegradáveis podem sim ser aliadas importantes na redução do impacto ambiental. Mas isoladamente, não resolvem o problema do plástico no planeta. Mais do que substituir o material, é preciso repensar hábitos de consumo, investir em educação ambiental, coleta seletiva, logística reversa e infraestrutura de compostagem.
Enquanto isso não acontece, o risco é que as sacolas biodegradáveis virem apenas um novo tipo de lixo “verde”, mais caro, mais bem embalado e igualmente poluente.
O que o consumidor pode fazer?
Para não cair na armadilha do marketing ambiental, fique atento a algumas recomendações básicas:
- ✅ Verifique se a sacola tem certificação reconhecida (EN 13432, ASTM D6400, ABNT NBR 15448);
- ✅ Descarte em local adequado: compostagem doméstica ou industrial;
- ✅ Evite sacolas com aditivos “oxi-degradáveis” e sem informações claras de composição;
- ✅ Prefira sempre sacolas reutilizáveis ou de pano;
- ✅ Desconfie de rótulos genéricos como “ecológica” ou “100% verde” sem especificações técnicas.
Conclusão
A sacola biodegradável não é vilã, mas tampouco é heroína por natureza. Seu real impacto depende de todo o ciclo de vida do produto — da origem da matéria-prima ao destino final após o uso. E, principalmente, da informação correta e transparente para o consumidor.
Em tempos de pós-verdade e manipulação de dados, como alertou Shoshana Zuboff em A Era do Capitalismo de Vigilância, distinguir entre aparência e essência nunca foi tão urgente — inclusive no mundo do consumo “verde”. Por fim, fica a sugestão do documentário “A conspiração consumista”, exibida na Netflix.

Servidor público estadual; especialista lato sensu em Direito Municipal e com MBA em Gestão Pública: Políticas e Gestão Governamental.
Servidor público estadual; especialista lato sensu em Direito Municipal e com MBA em Gestão Pública: Políticas e Gestão Governamental.