Gestão pública

Secretaria de gestão, riscos e integridade: por que as prefeituras devem ter uma?

Secretaria de gestão e integridade: por que as prefeituras devem ter uma?
Secretaria de gestão, riscos e integridade: por que as prefeituras devem ter uma?

Marília - A integridade é um valor caro à Administração Pública. Está intrinsicamente alinhada a três princípios constitucionalmente consagrados no artigo 37: a eficiência, a moralidade e a publicidade. Integridade significa que as direções da Administração devem ser guiadas por altos padrões de legalidade e controle contínuo das medidas adotadas e das escolhas tomadas.

Por vezes, assistimos a adoção desses valores “pela dor”. Em 2014, quando Advogado da Petrobras, e no estopim da Operação Lava Jato, assisti a Petrobras instituir uma Diretoria de Gestão, Risco e Integridade, que se mantém – por motivos evidentes – até os dias atuais.

Por consequência, como todo Jurídico espelhava as Diretores, foi igualmente criado um Jurídico de Gestão, Risco e Integridade. Em 2016, na disciplina de Mestrado que ministrava, “Gestão de Políticas Públicas Empresariais e Financiamento Estatal”, tive a honra de receber na Unimar, a meu convite, o Gerente deste Jurídico. Lições preciosas foram oferecidas a nossos alunos.

Mas, por outro lado, é possível instituir um sistema como tal “por amor”, amor à necessidade de uma atuação responsável por parte do Estado, pautada em altíssimos níveis de exigência legal e rigor profissional e científico.

Claro que é importante compreender, antes, o que é a integridade e como ela veio parar na realidade política e jurídica brasileira.

Integridade

Talvez você tenha ouvido falar do termo “compliance”. To comply, no inglês, nada mais é do que “cumprir”, “seguir”, “obedecer”. Seguir o que? Claro, a lei. No Brasil, por razões adaptativas, compliance virou integridade, inclusive nas previsões legais.

De acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, conhecido como CADE, “compliance é um conjunto de medidas internas que permite prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios e colaboradores”.

Já o artigo 2º do Código de Compliance Coorporativo do IBDEE, entende que o compliance “visa assegurar que o exercício” das atividades empresariais “se dê de forma sustentável, em estrita conformidade com o ordenamento jurídico e as normas aplicáveis, bem como em consonância com elevados padrões éticos e responsabilidade social”.

Há, portanto, muitos valores envolvidos, os quais, na realidade, se entrelaçam com princípios da ordem econômica previstos no artigo 170 da Constituição, tais como a função social da empresa, a livre concorrência, a proteção do meio ambiente e a busca por uma vida digna conforme os ditames da justiça social.

Contudo, se olharmos bem, os programas de integridade foram criados com os olhos voltados, primeiramente, para o núcleo empresarial.

No cenário estrangeiro, podemos mencionar a Foreign Corrupt Practices Act (EUA – 1977) e, em especial, a famosa Lei norte-americana Sarbanes-Oxley (2002), criada para evitar fraudes e garantir transparência com mecanismos seguros de auditoria e controle.

No plano internacional, destacam-se a Convenção Interamericana contra a Corrupção da Organização do Estados Americanos (1996), a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais e Internacionais da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (1997) e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2003).

Gestão e riscos

No Brasil, o grande salto se deu com a Lei Anticorrupção Empresarial (Lei 12.846/2013), a qual estabeleceu a possibilidade de punição de empresas por ações corruptivas em face da Administração Pública. E, ao mesmo tempo, passou a exigir indiretamente a criação de programas de compliance ao instituir benefícios para as empresas que violassem a lei, mas tivessem um bom programa instituído.

Mas, como se nota, os olhos eram voltados para as empresas, e não para a Administração Pública. Esse olhar começa a mudar com a Lei 13.303/2016, o famoso Estatuto das Empresas Estatais, o qual estabeleceu a necessidade de adoção de boas práticas de governanças e integridade para as empresas estatais – empresas públicas e sociedades de economia mista -, inclusive aplicando-se a Lei Anticorrupção contra elas.

Em São Paulo, o Decreto 62.349/2019 regulamentou a aplicação da Lei das Estatais e dispôs sobre programa de integridade nas estatais paulistas. Indo mais além, em 2023, o Decreto 67.683 instituiu o Plano Estadual de Promoção de Integridade para toda a Administração Pública, inclusive com o dever de criação de programas de integridade setoriais. São Paulo não foi o único Estado a fazê-lo.

Estava assim instituída a necessidade de programas de integridade não apenas para as empresas particulares, nem apenas para as empresas estatais, mas para toda a Administração Pública Direta e Indireta.

Instituir programas de integridade traz uma série de deveres e, evidentemente, não pode ser feito de maneira superficial ou “para inglês ver”.

Expliquemos: um programa de integridade sério é aquele que tenha como propósito PREVENIR, DETECTAR e PUNIR a corrupção, a fraude, os desvios éticos e os demais ilícitos.

Programas de integridade trazem benefícios óbvios: promovem a imagem institucional, fortalecem os controles internos, melhoram o resultado do serviço prestado, melhoram a gestão organizacional, aumentam a transparência, aprimoram a gestão de riscos e estimulam uma cultura de ética.

Para tanto, ele se baseia em uma estruturação complexa, que envolve o suporte da Alta Administração Pública, a independência do responsável pelo Programa, a avaliação de riscos, a existência de um código de conduta e de controles internos eficazes, treinamento e comunicação contínuos, a existência de canais de denúncia, investigações internas eficientes e monitoramento permanente.

Assim, por exemplo, cabe ao setor de integridade mapear os riscos de uma licitação e criar mecanismos para evitar que os riscos se efetivem.

Outro exemplo: quais os limites para o patrocínio público? Ainda, e de forma mais comezinha, quais presentes podem os agentes públicos receber sem que isso comprometa a seriedade e imparcialidade que deles se espera? Mais: como evitar que setores que concedem licenças e alvarás estejam expostos a tentativas de corrupção e ilegalidades pelo interessado?

Entre o abstrato e o concreto, constrói-se um plano que sirva, primeiramente, à toda aquela Administração Pública – no caso a Municipal –, e, ao mesmo tempo, consiga responder às demandas de cada um de seus setores. Assim, além de uma centralização administrativa de integridade, não se pode esquecer das necessidades setoriais para complementar esse mesmo plano.

Por que prefeitura deve ter?

Depois de toda essa explanação, questiona-se: qual a proposta?

Em Marília, a criação de uma Secretaria de Gestão, Riscos e Integridade é uma necessidade premente. Nesse processo, poderia ser utilizada a estrutura da Ouvidoria já existente, a ser absorvida pelo programa de compliance justamente pelos poderes mais amplos que este possui.

Assim, não demandaria sequer novos custos, embora envolva a necessidade de ajustes organizacionais.

Para bem funcionar e poder ter suporte técnico para o exercício de suas funções, além de servidores escriturários, em grande parte responsáveis pelo trabalho de instrução e preparação, seria necessária a presença destacada de um Procurador Municipal, a atuar exclusivamente no sistema, bem como profissionais de diversas áreas – analistas – para conferir embasamento técnico, provenientes da saúde, educação, infraestrutura, finanças, dentre outros setores.

Todos os processos que envolvam risco de impacto alto – conforme mapeamento de riscos prévios realizado pela Secretaria – obrigatoriamente precisariam passar por uma análise de integridade, conforme parecer proveniente da área técnica da nova Secretaria.

Questões menos problemáticas, de impacto médio ou baixo, por certo, poderiam ser resolvidas no âmbito de cada setor conforme diretrizes estabelecidas pela própria Secretaria como, para usar um exemplo anterior, quais presentes ou brindes poderiam ser aceitos pelos servidores públicos (em geral, estabelece-se um valor máximo bastante módico, de forma a não configurar influência).

A Secretaria ainda seria responsável por criar um Código de Ética para os servidores já alinhado às diretrizes de integridade, bem como oferecer treinamento contínuo e informação a todos os funcionários públicos e terceirizados. Processos que envolvam violação do referido código ou desvios corruptivos seriam conduzidos pela Secretaria, que ofereceria um parecer final sobre a solução a ser dada ao caso e enviado ao Prefeito Municipal para decisão.

A fim de garantir a independência da Secretaria, seu chefe seria indicado pelo Prefeito para um mandato de dois anos, com possibilidade de uma recondução, e precisaria ser aprovado pela maioria absoluta da Câmara de Vereadores. Durante esse tempo, possuiria estabilidade na função, podendo ser afastado ou demitido apenas em razão de conduta ilícita e com aprovação, por simetria, de maioria absoluta da mesma Câmara.

De certo, outros setores poderiam ser absorvidos pela mesma Secretaria, como a responsabilidade pelo Portal da Transparência e a centralização de respostas a demandas externas que envolvam violação de integridade. De qualquer forma, a criação da Secretaria representaria um enorme ganho e colocaria Marília no cenário positivo de destaque.

Por fim, também temos como resultado certo a contribuição que o programa de integridade traria para a gestão estatal, com a aplicação de boas práticas de governança e maior eficiência da Administração Pública e no uso dos recursos públicos. Devemos lembrar que o Estado é uma “empresa” que tem como sócios todos os cidadãos. Esses stakeholders, além de direcionar a própria conduta para amparar o bom funcionamento do Estado, também dele esperam transparência, eficiência e legalidade.

Na busca da gestão de excelência, pauta-se na adoção de práticas de governança e integridade visando atender os interesses da própria administração e de seus principais atores (agentes públicos e comunidade em geral) na atribuição ética de respeito aos seus direitos e promoção do máximo de eficiência.