Saúde

Baixa vacinação coloca Brasil em alto risco de retorno da poliomielite

Baixa vacinação coloca Brasil em alto risco de retorno da poliomielite
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Após mais de 30 anos, um caso de pólio foi identificado em Israel. Trata-se de um menino de quatro anos, morador de Jerusalém. A criança não estava vacinada, de acordo com informações do Ministério da Saúde de Israel. Foi aberta uma investigação epidemiológica para avaliar o caso, que ocorre poucas semanas depois de um surto do vírus ter sido relatado no Malawi, na África. A cepa viral detectada no Malawi está ligada a uma que circula no Paquistão, onde a doença ainda é endêmica. A pólio também é endêmica no Afeganistão. Em Israel, ainda não está clara a origem do vírus.

Embora possa parecer que esses casos estão muito longe do Brasil e não há motivo de preocupação, a pandemia de Covid-19 deixou claro que, em um mundo globalizado, a distância física entre países não é empecilho para a rápida disseminação de um vírus altamente contagioso, desde que existam pessoas vulneráveis. E isso, o Brasil tem de sobra, infelizmente. A cobertura vacinal contra a doença nunca esteve tão baixa no país. A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim) estima que cerca de 30 em cada 100 crianças brasileiras não estejam completamente imunizadas contra a poliomielite.  

“Isso serve como um alerta mundial. Há vários anos lutamos para tentar erradicar a doença, mas isso nao tem sido fácil. O Brasil é considerado de alto risco pelas baixas coberturas vacinais”, afirma o pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

A maioria das pessoas infectadas pelo vírus transmissor da poliomielite é assintomática e atualmente, não é exigido certificado de vacinação contra a doença para entrar no país. O que significa que uma pessoa contaminada pode trazer o vírus, que é eliminado pelas fezes. Se a taxa de vacinação estivesse acima de 95%, meta estipulada pelo Ministério da Saúde, não haveria problema. Entretanto, ela está muito abaixo disso.

Em 2015, o índice brasileiro era de 98%. Desde então, a taxa vem caindo gradativamente e, como já era de se esperar, se agravou com a pandemia.

“Em 2020, devido à pandemia e suas restrições, houve uma queda importante. Nós achávamos que a partir do momento que começássemos a ter vacinas contra a Covid-19, iríamos recuperar a cobertura das crianças. Mas isso não aconteceu”, explica Cunha.

Em 2020, o índice ficou em 76%. Segundo dados do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a cobertura vacinal contra poliomielite no ano passado foi de 67,66%. Mas para a imunização completa aos 4 anos de idade, foi de apenas 52,49%. Dependendo da região, o cenário é ainda mais grave. No Nordeste e Norte, por exemplo, o percentual para a imunização completa é de 42% e 44%, respectivamente.

Os motivos para a queda na cobertura vacinal incluem os movimentos antivacina, mas em especial outros fatores, como a hesitação vacinal; a falta de confiança motivada pelas notícias falsas; problemas de acesso, incluindo o horário restrito de vacinação das unidades de saúde; e de comunicação, como a ausência de campanhas de vacinação em massa.

A hesitação vacinal foi considerada, em 2019, uma das dez maiores ameaças à saúde pública pela OMS. Basicamente, ela consiste em ter uma vacina recomendada e disponível gratuitamente, mas mesmo assim ela nao ser aplicada ou ser aplicada com atraso. Segundo Cunha, o que leva a isso é a falsa sensação de segurança das pessoas em relação a doenças que elas nunca viram ou nao conhecem, como a pólio. E, por isso, acharem que não precisam vacinar seus filhos.

“Mas elas não se dão conta que não conhecem essas doenças justamente por causa da vacinação”, diz o presidente da SBim.

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Basta lembrar do caso do sarampo, que foi oficialmente eliminado do Brasil em 2016, mas retornou em 2018 devido à combinação de baixas taxas vacinais e surtos em outros países.

Esquema de vacinação

O esquema de vacinação contra a pólio no Brasil é composto de quatro doses. As três primeiras são feitas com a vacina de vírus inativada, também chamada de vacina Salk, em homenagem ao seu inventor, o americano Jonas Salk. Ou ainda VIP, sigla para “vacina inativada injetável”. Ela é aplicada via injeção aos 2, 4 e 6 meses de idade e protege contra os três tipos conhecidos desse vírus.

Para completar, devem ser dadas duas doses de reforço com a vacina atenuada, a famosa gotinha. A primeira, entre os 15 e os 18 meses de idade e, a última, aos 4 anos idade. A questão é que, em casos raros, o vírus atenuado é capaz de se replicar no intestino humano, sofrer mutações e se propagar por meio das fezes. Não há risco para a criança que toma a vacina, já que ela foi previamente imunizada com a vacina inativada. Entretanto, há risco para a população não vacinada à sua volta. Em especial em regiões com problemas de saneamento e moradia. 

Alerta regional

O último caso de pólio registrado no Brasil aconteceu em 1989. A doença é considerada eliminada do país desde 1994, quando a região das Américas recebeu da Organização Mundial da Saúde (OMS) o certificado de eliminação da poliomielite. O feito é resultado de uma massiva campanha de vacinação. 

Entretanto, o risco de retgorno da doença não é exclusivo do Brasil. No final de fevereiro, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) pediu que os países das Américas redobrem os esforços para vacinar crianças contra a poliomielite. A taxa de vacinação com as três doses da vacina contra a pólio ficou em 82% em 2020, a menor em 26 anos.

“A ameaça de reintrodução da pólio na região é real”, disse Andrés de Francisco, diretor de Família, Promoção da Saúde e Curso de Vida da OPAS, em comunicado.

Paralisia infantil

A ameaça da pólio é real. Assim como suas sequelas. No Malawi, a doença foi identificada após uma menina de apenas 3 anos sentir febre, mal-estar e ter ficado com as pernas completamente flácidas. A paralisia infantil é um dos desfechos mais graves da doença e afeta um em cada 200 infectados. Pode parecer pouco, mas em 1975, antes da imunização generalizada, cerca de 6 mil crianças ficaram paralisadas nas Américas por causa da doença. Era difícil não conhecer alguém que tivesse sido infectado e apresentasse alguma sequela da doença.

Além da paralisia de braços e pernas, as sequelas permanentes da doença incluem atrofia da fala, dificuldade para falar, paralisia dos músculos da deglutição, entre outros graves problemas. Entre aqueles que desenvolvem a paralisia infantil, 5% a 10% morrem por paralisia dos músculos respiratórios. Não à toa, a poliomileite era um dos piores pesadelos dos pais de crianças pequenas até algumas décadas atrás.

A doença é causada pelo polivírus, um vírus altamente contagioso que se aloja no intestino. A transmissão ocorre pelo contato com fezes, alimentos e água contaminados. Ou ainda por meio de meio de gotículas de secreções da garganta durante a fala, tosse ou espirro.

Os sintomas mais frequentes são febre, mal-estar, dor de cabeça, de garganta e no corpo, vômitos, diarreia, constipação, espasmos, rigidez na nuca e até mesmo meningite. Nas formas mais graves instala-se a flacidez muscular. Não existe tratamento específico, apenas sintomático. A vacinação é segura e a única forma de prevenção da poliomielite.

Fonte: IG SAÚDE