Colunista | LIMPO E TRANSPARENTE - Paulo Henrique Martinez

Rio São Francisco - PHM

Há uma década o bispo Dom Luiz Cappio, da Diocese da Barra, na Bahia, realizava um inesperado ato de inconformismo. Um novo e longo jejum que por pouco não o vitimou. Em 2007, o seu protesto repercutia a intensidade da devastação ambiental, da falta d’água e dos custos sociais que projetos econômicos nada sustentáveis provocavam na bacia do rio São Francisco. O autoflagelo do bispo chamava a atenção para o flagelo imposto às populações, aos recursos hídricos, aos biomas e territórios culturais do extenso vale.

A caatinga, o cerrado e a mata atlântica cediam paisagens, biodiversidade, águas e solos, a vida de antigas comunidades, práticas agrícolas familiares e ancestrais, diante do avanço de projetos agropecuários, mercantis e obras de infraestrutura. Projetos muito pouco atentos à prevenção, preservação e regeneração de danos e de impactos ambientais. Projetos indiferentes às necessidades, expectativas e participação dos moradores, quase sempre muito pobres, nas áreas direta e indiretamente afetadas pelas ações empresariais e governamentais.

Uma década depois, em dezembro de 2017, bispos de outras dez dioceses na bacia do São Francisco tornam públicas as suas inquietações e propostas quanto ao destino do rio, de seus habitantes e biomas. A Carta da Lapa é o documento síntese do I Encontro dos Bispos da Bacia do Rio São Francisco. Além de Dom Luiz Cappio, a Carta recebeu assinaturas dos bipos das dioceses de Januária, Minas Gerais, Barreiras, Bom Jesus da Lapa, Caetité, Irecê, Juazeiro e Paulo Afonso, Bahia, Floresta e Petrolina, Pernambuco, e Propriá, Sergipe. 

O diagnóstico de “morte gradativa” e anunciada é preciso, objetivo. Há escassez de água, perda de matas ciliares, da biodiversidade, assoreamento, muitos conflitos sociais. Um modelo de desenvolvimento predatório, indesejável e inviável. A Carta da Lapa pede ações conjuntas, de cristãos ou não, na educação, na mídia e nas políticas públicas. Propõe dez anos de “repouso sabático” na exploração econômica dos biomas e evoca a responsabilidade constitucional de autoridades e poderes públicos em defesa da vida e do rio São Francisco.

A Carta da Lapa coloca a Igreja católica no centro do debate social e cultural deste século, a crise ambiental. A encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, já pregara esta atenção e orientou a Campanha da Fraternidade em 2017, dedicada aos biomas brasileiros. A Carta da Lapa sinaliza o retorno da sociedade civil ao palco das decisões nacionais. Antecipando-se a partidos e a candidaturas deste novo ano, a preocupação com a comunidade de destino ultrapassa eleições e fronteiras nacionais. E o São Francisco falou para o mundo.


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LIMPO E TRANSPARENTE - Paulo Henrique Martinez
Professor na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras de Assis e membro da Comissão de Biblioteca do campus.

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