Colunista | Viviane Gonçalves

Levanta, arruma a cama, toma café, escova os dentes, começa a fazer uma série de coisas.

Não sente cansaço ou fadiga, somente aquele de um final de dia exaustivo em que o corpo pede descanso.

Há exatos cinco anos atrás tudo que descrevi acima, seria impossível. Não tinha vitalidade.

Não tinha forças para levantar da cama quiçá escovar os dentes e lidar com os afazeres domésticos.

Disse à minha mãe em um dia desses de energia extrema: mãe, pega um termômetro, vamos verificar minha temperatura, devo está doente.

Não sei ao certo quando perdi o vigor, lembro somente que certo dia acordei e não consegui levantar.

Depois me recordo de  outro dia não conseguir levantar e não querer falar com ninguém.

Num outro, nem levantar, nem querer falar com ninguém, não comer, não abrir as cortinas, não escovar os dentes, não tomar banho.

Não estava drogada, mas recordo de uma ausência de mim mesma, eu era o personagem de Corra sendo hipnotizado, caindo num buraco negro, gritando e ninguém ouvindo.

São memórias esparsas, lapsos. Nem parece que vivi, mas sim, vivi.

E hoje faço qualquer coisa para fugir de quem está à porta  espreitando e esperando qualquer vacilo meu.

Usando a atividade física como arma. E não é que funciona? E ligada no 220 como descrevi acima.

Nunca imaginei que um dia fosse ficar daquele jeito, nem cogitava que chegaria a ficar assim.

Não abro mais a porta para quem me deixa com vontade de fechar os olhos e nunca mais abri-los.
Quando sinto que se aproxima, invento modas.

Tenho tanto medo da Depressão que faço qualquer coisa para não recair.
Sigo a vida me contrariando.

A vontade é ficar deitada? Levanto.
A vontade é não ver ninguém? Saio.
Quero comer um monte de besteiras, me entupir de lixo? Invisto em coisas saudáveis.
Aprendi a discernir a minha voz da voz dela.

Faz um ano que comecei a tomar as rédeas da minha vida.
E digo que nunca considerei tão bom arrumar os armários, organizar guarda roupas, lavar banheiros.
Me sinto viva, forte, capaz, tenho vigor.

A rotina, o cotidiano, é o sonho de um deprimido.
Levantar, escovar os dentes, tomar café, lidar com os afazeres domésticos, cansar fisicamente e dormir é luxo para quem acorda exausto e sem ânimo para mais nada.

Estou vivendo luxuosamente, comemorando cada banheiro lavado, casa faxina, carro limpo, auto cuidado.
A rotina voltou à minha vida e eu a abracei com o carinho de quem encontra um amigo que não vê há tempos.

A felicidade tem entrando pelo vão da porta, me encontra descabelada, suada, sentada à mesa, tomando suco e comendo pipoca numa casa limpinha e cheirosa.
E não é verdade que felicidade a gente encontra nas horinhas de descuido?
Eu encontrei.


Giro Marília -Viviane Gonçalves
Viviane Gonçalves
Cientista social formada pela Unesp-Marília, uma curiosa nos estudos que se referem às mulheres, adora literatura, filmes e poesias - que aprendeu a gostar com a mulher que via bordados no chão. Acredita que Adélia Prado tinha razão, mulher é mesmo desdobrável.

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